domingo, 20 de abril de 2014

De uma presença





Passei quase dois anos vendo-o praticamente todos os dias. O Tâmisa.

O rio que definiu o que é Londres. O que é Inglaterra. O que é o mundo.

Sentia-me feliz por poder observar o seu fluxo, de marés misteriosas, guardando o segredos de muitos séculos. De tantas pessoas que já passaram por ali - Tantos amores, tanta ganância, tantos temores. De tantas mudanças e voltas que esse mundo já deu.

Apoiava-me na balaustrada, sentindo a brisa vinda do mar, de tantas léguas longe e ainda com o distinto cheio de sal. Fechava os olhos e ouvia os murmúrios, das águas e das pessoas, e do rio que continua a correr.

Abria os olhos e admirava as pontes, e as construções, que hoje formam a sua moldura.

E isso, mesmo nos piores dos dias, fazia com que eu me sentisse privilegiada.

Hoje, meus caminhos já não cruzam os dele com tanta frequência. E, não consigo negar, que falta, que falta que a presença dele me faz.

domingo, 23 de março de 2014

Relacionamento

Acontece com todo relacionamento.

De primeira, você vê o que todo mundo vê: a beleza, a elegância, o charme. Todo mundo fala e você confirma. E se deixa apaixonar, como todo mundo.

Depois, com o tempo, vai descobrindo outras belezas, aqueles detalhes que só a intimidade revela; aquela curva, aquela sombra, aquele lado que nem é tão perfeitinho mas é adorável. E vai se apossando daquilo como se fosse seu, como um segredo, uma cumplicidade, uma realidade dentro de um sonho.

Mas um dia, eis que um dia, bate uma luz, bate um momento, e você vê de novo o que te atraiu no começo, e perde o fôlego, e se apaixona tudo de novo, porque mesmo após tantos anos.

Londres continua linda.






domingo, 16 de março de 2014

Portugal, eu te...



Eu queria ter odiado Portugal. Aquele paisinho distante, e ao mesmo tempo tão próximo. Com aquele sotaque, aquela língua, que parece diferente, mas não é.

Eu queria ter odiado, odiado muito. Cada estátua, cada referência a um passado de glórias, de conquistas coloniais, me fazia lembrar do sangue dos meus antepassados, e da exploração da minha terra.

E então vinha um mendigo pedir um euro, me lembrando que tudo não passa disso: Passado.

E então eu andei pelas ruas do Porto, com seus belos casarões e jardins ensolarados. E então eu me deliciei com as leiterias e restaurantes, e tomei vinho do Porto à beira do rio Douro.

E eu conversei em Português. Tropecei em termos, e pronúncia, e esbarrei em desconfiança, mas também em gentileza. E foi estranho ser menos estrangeira em uma terra estrangeira.

E fui feliz. Assim, sem querer, contra a minha vontade. Foi estranho.

Eu queria ter odiado Portugal.

domingo, 16 de fevereiro de 2014

O lado B da França

Foi a primeira vez que visitei o sul da França. Na verdade, a primeira vez em que estive na França sem ser em Paris.

A primeira coisa que me impressionou foi o sotaque: Forte, árido, de vogais abertas. Sem essa de fazer biquinho, nem de falar manso, nem de tentar seduzir. O francês de Carcassone era cordial e aberto, sem mistério, sem afetação.

E depois eu descobri que o francês nem era a primeira língua da região: Eles originalmente falavam a língua occitana, que ao longo de séculos foi duramente suprimida em favor do francês "civilizado", estando perto da extinção atualmente.

Sim, porque a história daquela região é uma história de derrota. A fortaleza que foi impenetrável durante séculos, garantindo a prosperidade da cidade-estado como entreposto comercial entre França e Espanha, foi invadida e dominada na época das cruzadas. E a sua população original, denominada de herege e perseguida. E então veio o Estado Francês, com suas regras, suas leis, sua língua e absorveu Carcassonne, que deixou de se governar e passou a ser mais uma cidade a ser sugada por Paris.

Talvez por isso eu tenha gostado tanto de lá: Apesar do histórico de dominação e derrota, apesar das dificuldades econômicas, da dependência do dinheiro dos turistas, apesar da distância geográfica de quem faz as leis. É um povo amigável, feliz e que indiscutivelmente sabe aproveitar a vida.

Parece um pouco com um lugar que eu conheço, chamado Bahia.