quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Aprendendo javanês


Dá pra vê-los do avião. Gigantescos, cercados por brumas, com o topo aberto num círculo escarpado, do qual línguas de fogo podem sair e lamber as cidades a qualquer momento. Um, dois, três vulcões, você vai contando, enquanto se prepara para pisar nesse solo que regurgita, e a qualquer momento pode se abrir sob os seus pés. Terrinha instável, essa ilha de Java.

E a terra realmente tremeu, mas foi só um pouquinho. "Não se preocupe", disse a simpática moça do hotel, "É porque teve um terremoto na semana passada. É normal". Jovem, alegre e sorridente, com o seu véu islâmico. Lá fora, uma voz masculina metálica repete cânticos cifrados. "É Ramadã", ela explica. Então, pelo menos cinco vezes ao dia, a voz sai dos alto falantes, dizendo aos fiéis que Alá espera pelas suas preces. Terrinha estranha, essa ilha de Java. Muçulmanos, sim, mas sem a sisudez dos países do Oriente Médio.

Yogyakarta fica quase no centro da ilha. Não é, nem de longe, uma metrópole gigantesca como a capital Jakarta, mas ainda assim aparenta ser super-populosa. Boa parte das ruas são sujas, mal-iluminadas, poluídas e empoeiradas, com sua míriade de motocicletas a fazerem uma sinfonia infernal. Sob a postura humilde e sorridente dos nativos, o indisfarçável desespero pelos dólares no bolso do turista. É que dinheiro e conforto são materiais escassos, muito escassos, por essas bandas.

A maioria dos turistas vêm da Holanda, o antigo colonizador. Vêm porque sabem da importância política e cultural de Yogya (ou Jogja, como eles chamam). A cidade se originou numa cidadela fortificada, chamada Kraton, cujo palácio original é usado até hoje como uma das principais residências do Sultão. Dentro dos limites da muralha branca, os súditos fazem o possível para ganhar o pão: há um famoso mercado de aves, várias fábricas de tecidos tradicionais (chamados de batik) e também fábricas de marionetes, talvez a manifestação cultural mais expressiva da ilha de Java. Um pouco ao norte do Kraton, há o museu Sonobudoyo, uma celebração das heranças hindu e budista da ilha.

"É incrível como eles conseguiram preservar todas essas esculturas", diz N. Sim, é incrível, pois o islamismo proíbe o culto a ídolos e, outros países, fez questão de apagar os traços de outras religiões. Mas os indonésios, com seu sorriso largo, seu jeito prestativo, parecem estar de bem com o seu passado, assim como não demonstram ressentimento pela sua pobreza. Talvez porque, quando se tem que conviver com vulcões e terremotos o tempo todo, o resto vira fichinha...