sábado, 2 de junho de 2012

Roundhead x Cavalier, ou, A Guerra Pela Alma de Uma Nação

Neste fim de semana, a Rainha Elizabeth II comemora 50 anos de reinado. Por isso, e por diversas outras razões, estive a pensar mais profundamente sobre essa ilhota onde vivo.

É difícil escolher um ponto específico na história de um país que tem estado perto ou mesmo no centro das coisas desde a época da Roma Antiga. Mas, recentemente, assisti um documentário muito interessante da BBC sobre o período da Guerra Civil Inglesa, que oficialmente aconteceu entre 1642 e 1651.

Basicamente, foi um conflito sangrento gerado pelo debate de ideias e posturas numa sociedade que se dividiu entre dois grandes grupos:

De um lado, os chamados Cavaliers, "cavaleiros". Esse era o grupo do protestantismo "light", sem oposição ferrenha aos católicos e às tradições pagãs. Era o grupo dos que defendiam a liberdade individual e o direito de se divertir e se expressar livremente, se exibir, fazer o que der na telha.

De outro lado, os "Roundheads", os protestantes radicais, que acreditavam em um código moral forte, na organização, na hierarquia, sem "distrações" e sempre pensando no bem coletivo, ao invés da satisfação pessoal. Inclusive, foi essa dedicação e capacidade de organização que fez os Roundheads ganharem a guerra contra os Cavaliers.

Porém, afirma o documentário, na verdade o conflito continua, de forma sutil.

Quando os ingleses vão pro pub, ficam bêbados, fazem farra, falam alto? Cavalier.
Quando os ingleses, na segunda-feira, obedecem certinho a fila no ponto de ônibus: Roundhead.

Quando você vê um inglês na rua, de casaco roxo-berrante, camisa amarelo florescente e tênis vermelho vivo: Cavalier. Quando você descobre que um colega de trabalho ajuda uma instituição de caridade sem nem ao menos falar a ninguém sobre isso: Roundhead.

Quer um exemplo ilustrativo?
 Cobrir a marina de bandeirolas coloridas e patrióticas: Cavalier ao extremo.



Achar as olimpíadas uma grande palhaçada e um baita desperdício de dinheiro: puro Roundhead.

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Viena dos meus sonhos

Na escola, a minha matéria preferida era história. E, dentre os tópicos de história, o meu preferido sempre foi a Primeira Guerra Mundial. A que mudou tudo. A que industrializou a guerra. A que acabou com a época da inocência, a "belle epoque".

Lembro-me de, na infância, ficar intrigada pelos desdobramentos que resultaram na deflagração da Primeira Guerra. O assassinato do Arquiduque Francisco Ferdinando, herdeiro do Império Austro-Húngaro. Um império imenso, pulsando no coração da Europa, juntando etnias extremamente díspares sob o domínio da mais tradicional e influente das famílias reais, os Habsburgos.

Lembro-me de, criança, deitada na cama, olhando o teto e imaginando a capital desse império perdido, no seu auge no século XIX. Dentre neve, prédios imponentes, museus, óperas, casacos de pele e o som da valsa, a rodopiar, a rodopiar...

Viena já foi o centro do mundo. Foi lá que os grandes poderes juntaram os cacos resultantes das guerras napoleônicas. Foi lá que o destino e o mapa da África foram traçados. E foi lá, na mesma Convenção em 1815, que Portugal deu-se conta de que tinha perdido a voz e a vez como um dos grandes poderes coloniais. A independência do Brasil foi consequência.

Tudo isso pra dizer que conheci, e não conheci, Viena. Estive lá, e sim, fiquei maravilhada com arquitetura imponente, a elegância das suas ruas, a riqueza de detalhes e de história em cada esquina, em cada museu. Fiquei maravilhada com os tradicionais cafés, os doces vienenses, e a linda iluminação noturna.

Mas o tempo todo, senti-me como se Viena me escapasse. Tão majestosa, impregnada de cultura, e o tempo curto da viagem escorrendo-me pelos dedos. Queria ver muito mais, queria experimentar muito mais, desvendar-lhe muito mais mistérios e histórias. Por isso, apesar de muito feliz, também me senti muito frustrada.

Viena, isso não fica assim. Definitivamente, definitivamente, nos veremos de novo.

Para ver fotos de Viena, clique aqui.

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Andaluzia, a Espanha que parou no tempo

Depois de conhecer Bilbao e La Rioja, duas representantes do norte da Espanha, fui parar na Andaluzia, no extremo sul do país.

Ao invés de florestas e montanhas, uma planície desértica. Ao invés dos frios e elegantes ares europeus, um mar de azul cristalino e um sol de rachar, como se estivéssemos nos trópicos.

Pode-se dizer que a Andaluzia não é só Espanha, mas sim onde a Espanha é mais Espanha. É o lugar que deu origem ao flamenco e às touradas. É onde as pessoas falam muito, falam alto e riem de forma desbragada, como se todos eles fossem personagens de um filme de Almodóvar.

E, ao mesmo tempo, vejam só. É tão africana, a Andaluzia. Estamos falando do norte da África, a região dos mouros, o povo que dominou a província por séculos, mas isso foi mesmo quando? Ah, sim, foram embora em 1609. E, no entanto, a influência árabe ainda está lá, na arquitetura, nos mosaicos, na comida, nos nomes dos lugares.

Por isso, ao percorrer as bucólicas vilas de casas brancas, como Vejer e Conil de La Frontera, a sensação é de voltar no tempo, não apenas algumas décadas como em La Rioja, mas, quem sabe, alguns séculos? Ao contemplar o contraste entre o céu e mar azul, e a aridez amarronzada do deserto, tem-se uma sensação incrível de falta de pressa. Falta de urgência, porque é tão bom parar tudo e apenas curtir o momento, curtir o sol e a brisa preguiçosa, e lá todo mundo está sorrindo, mesmo.

De volta à Londres, vejo o noticiário econômico. Estatísticas oficiais mostram que o desemprego na Espanha chegou a 25% da população, sendo que essa marca alcança os 60% na Andaluzia.

Tento assimilar. Sessenta por cento da população não tem emprego. Ah, Andaluzia. Só mesmo rindo pra não chorar.

Para ver fotos de Vejer, clique aqui.
Para ver fotos de Conil de La Frontera, clique aqui.