quarta-feira, 26 de novembro de 2008
A Day in the Life
Esta é a rua onde moro, Brewster Road. É aqui que também mora Nigel, um simpático senhor inglês de 65 anos. No sábado passado, eu e meus colegas de casa fomos convidados para uma festa na casa dele. É claro que não poderíamos perder.
Nigel é artista plástico e mora com o seu irmão mais novo, Melvin. Provavelmente, nunca se casou. Também nunca morou em outro lugar: a casa onde mora é a casa onde nasceu, cresceu e passou toda a sua vida. Foi ali, naquele lugar, que os seus olhos de criança e adolescente testemunharam a Londres do pós-guerra; depois veio a Swinging London, as greves e a recessão dos anos 70/80, Margareth Thatcher e por fim Tony Blair. É impressionante pensar em quanta coisa mudou, e Nigel continua no mesmo lugar.
Por este seu caráter de "londrino da gema" e pelos seus ares de velhinho excêntrico, estávamos todos ansiosos para conhecer a sua casa e os seus amigos. E não nos decepcionamos: A casa é muitíssimo interessante. O hall, com paredes vermelho-escuras e repletas de pequenos objetos de metal, parece mais o hall de um pub, daqueles bem antigos. A cozinha é pintada de tons de laranja e verde-cana, e dá para um jardim que parece mais um paraíso tropical - Inclusive, lá é mantida uma fauna que inclui peixes exóticos, iguanas e até um papagaio brasileiro (mas que é fluente em italiano).
A festa estava repleta de adoráveis velhinhos ingleses, com suéteres absurdos, copo de bebida na mão, falando coisas como "Ooh, lovely" quando iam comer ou "Excuse me, I'm so sorry" quando iam se mover. Nigel fez questão de nos mostrar o seu trabalho, que é composto basicamente de esculturas, mas também inclui desenhos e pinturas. Muito gentil, nos levou até o esconderijo onde trabalha, mostrou as inúmeras ferramentas e as obras inacabadas, e também falou das décadas de experiência como projetista de cinema. "Se o pessoal do Health and Safety visse o que fazíamos, eles teriam um filho", os olhos perdidos em lembranças por detrás dos óculos.
Na volta, ele me pergunta se eu gosto de dançar. "É que tem mais homens do que mulheres, eu estou tentando fazer as pessoas dançarem", explica. "Não se preocupe, a música é agitada", e me encaminha para uma sala com chão colorido e luzes estraboscópicas no teto (é uma sala-de-estar? Não é possível que seja uma sala-de-estar). Lá eu descubro que a tal "música agitada" é música dos anos 50, se bobear até anterior a Elvis. "Oh, eu me lembro dessa música, vamos dançar!", diz uma simpática e mais animada velhinha, e começa a dançar com Nigel. Fico imaginando que provavelmente os dois já dançaram juntos a mesma música, no mesmo lugar, 50 anos atrás.
Sem muito ânimo para dançar (devido às circustâncias peculiares e ao fato de que eu chamaria a atenção demais), resolvo sentar e acabo engatando papo com um irlandês chamado John.
John tem 75 anos, mora em Londres há 50, e já não ouve muito bem. Mas não pára de beber um só minuto e, quando alguém menciona a Irlanda do Norte, ele é bem enfático: "Aqueles protestantes, a gente (ele é do sul) mete bala netes!". Me pergunta sobre o Brasil e sobre o que eu acho dos ingleses. "São meio frios demais, eu acho", digo. "Ah, vou te apresentar a um inglês legal", ele responde, e me apresenta ao seu amigo. Collin, assim como Nigel, também nasceu e cresceu na mesma área, embora na época não o conhecesse. "É que ele é um pouco mais novo que eu", explica, com um grande sorriso.
Mas já é um pouco tarde, e estou com sono, então me despeço de Collin e John. Esse último fala: "Você é uma garota adorável", e me dá um beijo na bochecha. Vou para casa feliz. Sinceramente, o que mais se pode esperar de uma festa?
Ah, antes que eu me esqueça. Nada disso é ficção. ;)
sábado, 22 de novembro de 2008
Bath, doce Bath
Li em algum lugar que não existem coincidências neste mundo. Na semana passada, pouco depois de ter escrito sobre a Londres que foi fundada pelos antigos romanos às margens do rio, peguei um ônibus rumo à cidade histórica de Bath, no sudoeste da Inglaterra.
Bath é um dos destinos turísticos mais comuns da Inglaterra, e é fácil entender o porquê: situada às margens do rio Avon, a cidade de cerca de 80 mil habitantes apresenta nas suas ruas charmosas e bucólicas as marcas de praticamente toda a história do país.
Pode-se dizer que tudo começou por causa das fontes termais. Em tempos antigos, quando ainda não se entendia por que a água brotava quente das pedras, os antigos celtas acharam que se tratava de um milagre e transformaram aquilo em um local de cultos sagrados.
Então chegaram os romanos, e pensaram exatamente a mesma coisa. Só que, com os recursos e conhecimentos arquitetônicos que eles tinham, foi contruído um templo que também funcionava como centro de entretenimento - O local que obviamente deu origem ao nome da cidade hoje é conhecido como Roman Baths. Ia-se lá para rezar ou rogar praga nos outros (e, algumas delas, recuperadas por arqueólogos, são hilárias), mas também para relaxar, socializar e purificar o corpo em uma das "salas de banho".
Mesmo depois do declínio do Império Romano, as fontes termais continuaram a ter a fama de serem milagrosas, existindo até um rei que dizem ter sido curado da lepra naquelas águas. Aos poucos, a cidade foi crescendo e, em frente ao antigo templo romano, em um lugar que provavelmente também já era considerado sagrado, foi contruída a Abadia de Bath. Foi lá que, no ano de 973, Edgar, o primeiro rei da Inglaterra, foi coroado.
Apesar de sempre ter sido um local importante, Bath só ganhou status de cidade em 1590, na era Elizabetana. Mas foi na era Georgiana, no século XVIII, que o local ganhou a maior parte da sua belíssima arquitetura e se tornou uma atração turística movimentada. Hoje, a cidade de Bath é considerada um Patrimônio Histórico da Humanidade.
Quanto a mim, pude visitar uma cidade menor, mais calma, com um verdadeiro senso de comunidade. Pude sentar no meio da tarde e tomar uma xícara de chá (com leite e duas colheres de açúcar, lógico :p), pude andar nas ruas e ver pessoas britânicas sorrindo, sem trombarem mau-humoradas uma nas outras. Pude visitar palácios históricos que realmente servem de residências para pessoas, e não acabaram virando escritórios. Pude parar e apreciar as cores estonteantes da minha estação preferida, o outono. E pude até ver um clone de Garfield! ;)
De alguma forma, tive mesmo a sensação de ter mergulhado em um banho tépido e relaxante. Acho que os celtas, os romanos e os nobres medievais estavam certos: aquele lugar é mágico.
PS- Cliquem nos links para ver as fotos!
Bath é um dos destinos turísticos mais comuns da Inglaterra, e é fácil entender o porquê: situada às margens do rio Avon, a cidade de cerca de 80 mil habitantes apresenta nas suas ruas charmosas e bucólicas as marcas de praticamente toda a história do país.
Pode-se dizer que tudo começou por causa das fontes termais. Em tempos antigos, quando ainda não se entendia por que a água brotava quente das pedras, os antigos celtas acharam que se tratava de um milagre e transformaram aquilo em um local de cultos sagrados.
Então chegaram os romanos, e pensaram exatamente a mesma coisa. Só que, com os recursos e conhecimentos arquitetônicos que eles tinham, foi contruído um templo que também funcionava como centro de entretenimento - O local que obviamente deu origem ao nome da cidade hoje é conhecido como Roman Baths. Ia-se lá para rezar ou rogar praga nos outros (e, algumas delas, recuperadas por arqueólogos, são hilárias), mas também para relaxar, socializar e purificar o corpo em uma das "salas de banho".
Mesmo depois do declínio do Império Romano, as fontes termais continuaram a ter a fama de serem milagrosas, existindo até um rei que dizem ter sido curado da lepra naquelas águas. Aos poucos, a cidade foi crescendo e, em frente ao antigo templo romano, em um lugar que provavelmente também já era considerado sagrado, foi contruída a Abadia de Bath. Foi lá que, no ano de 973, Edgar, o primeiro rei da Inglaterra, foi coroado.
Apesar de sempre ter sido um local importante, Bath só ganhou status de cidade em 1590, na era Elizabetana. Mas foi na era Georgiana, no século XVIII, que o local ganhou a maior parte da sua belíssima arquitetura e se tornou uma atração turística movimentada. Hoje, a cidade de Bath é considerada um Patrimônio Histórico da Humanidade.
Quanto a mim, pude visitar uma cidade menor, mais calma, com um verdadeiro senso de comunidade. Pude sentar no meio da tarde e tomar uma xícara de chá (com leite e duas colheres de açúcar, lógico :p), pude andar nas ruas e ver pessoas britânicas sorrindo, sem trombarem mau-humoradas uma nas outras. Pude visitar palácios históricos que realmente servem de residências para pessoas, e não acabaram virando escritórios. Pude parar e apreciar as cores estonteantes da minha estação preferida, o outono. E pude até ver um clone de Garfield! ;)
De alguma forma, tive mesmo a sensação de ter mergulhado em um banho tépido e relaxante. Acho que os celtas, os romanos e os nobres medievais estavam certos: aquele lugar é mágico.
PS- Cliquem nos links para ver as fotos!
quinta-feira, 13 de novembro de 2008
London and The City
Uma vez eu li que um dos sinais de que você se tornou um legítimo morador de Londres é quando alguém fala "The City" e você sabe do que a pessoa está falando. Não se trata de nenhuma cidade oficialmente existente no mundo. A "City" dos londrinos é uma cidade dentro da cidade, é o passado que se desdobra no presente.
Trata-se da área original da cidade de Londres. Antes do Palácio de Buckinham, antes dos jardins de Kensington e do British Museum, antes do Madame Tusseau e de todas as atrações turísticas de que você já ouviu falar.
Da época em que Londres era um entreposto comercial fundado pelos antigos romanos à beira do rio Tâmisa, uma cidadela fortificada que tinha por seu símbolo o grifo, este que você pode ver na foto. Um "labirinto roto" que pegou fogo e se reconstruiu várias vezes até tomar as feições modernas e exuberantes de hoje.
Mas o principal não mudou. Ao longo dos seus séculos de existência, a "City" de Londres continua tendo o mesmo significado: dinheiro. É ele o que faz o coração de Londres pulsar, em cada rua, em cada esquina, vê-se os mercadores de dentes sujos agora travestidos de altos executivos, as antigas casas comerciais agora se dizem grandes bancos, tudo é tão moderno e ao mesmo tempo tão antigo.
Se bem que a City hoje em dia divide o seu papel de centro financeiro com uma outra área mais ao sul, que por acaso é o lugar onde eu trabalho: Canary Wharf. Mas isso é assunto pra outro post...
segunda-feira, 10 de novembro de 2008
A dura poesia concreta do Barbican
A descrição do Barbican, no "Rough Guide to London" (uma das minhas bíblias pessoais), não é nada animadora: "...um gueto de concreto fenomenalmente feio e caro construído na área altamente bombardeada de Cripplegate". E continua: "É uma distopia construída para as classes altas, com um labirinto de caminhos para pedestres e estacionamentos subterrâneos". O único motivo para ir nesse lugar "deprimente", segundo o livro, é o Barbican Arts Centre, no qual eu fui neste domingo assistir um filme cubano dos anos 60.
Não se enganem, caros leitores: Barbican tem seus encantos, sim. Ao menos foi o que eu pensei quando saí da estação de metrô e dei de cara com aquele lugar de arquitetura modernista e imponente (exatamente a visão da foto). Uma visão meio sombria e dura, é verdade, mas ainda assim muito interessante. Não sei se porque era domingo, ou por causa do tempo frio e chuvoso, ou se pelo aspecto de fábrica abandonada que o bairro tem. Mas tudo em Barbican me pareceu envolto num certo silêncio, como se as construções estivessem guardando o sono de máquinas adormecidas. E as pessoas, poucas e geralmente vestidas com cores sóbrias, me pareceram elegantes, quase como se estivéssemos em Paris.
Enfim, só depois eu descobri que em Barbican fica a igreja de St. Gilles Cripplegate, onde Sir Oliver Cronwell se casou e onde foi sepultado o corpo do poeta John Milton. Ah, que saco. Vou ter que ir lá de novo. ;)
O que você vê da sua janela?
A pergunta foi feita pelo examinador, durante o IELTS. O que eu respondi na ocasião foi o que se pode ver na foto ao lado: um jardim grande, com árvores, porém mal-cuidado. Velhas casas vitorianas ao fundo. E um pedaço de céu nublado quase 90% do tempo.
Depois eu percebi que a pergunta era muito mais complexa e interessante. O que vemos da nossa janela? Trata-se do enquadramento das nossas vidas. É o que você vê quando sai de si mesmo e olha para o mundo. É o caminho que você faz todo dia pro trabalho, são as coisas com as quais você convive, mas também cada vez que você vê ou experimenta uma coisa nova, a visão que você tem da sua janela se amplia.
Então resolvi que vou usar este blog para mostrar um pouco do que eu vejo da minha janela. Torcendo para que um dia, quem sabe, eu olhe para além de mim mesma e consiga ver a vastidão deste mundo.
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