terça-feira, 2 de dezembro de 2008
De uma antiga escola e seus alunos ilustres...
No livro "Notes from a Small Island", o escritor norte-americano Bill Bryson comenta que, pelo fato de a Inglaterra ter tantos filhos ilustres e tanta História, há uma atitude displicente em relação à preservação da memória. É como se o sentimento geral fosse: "Um prédio antigo a mais ou a menos não faz diferença". E tome-lhe atentados contra o bom-senso em tentativas (geralmente mal-sucedidas) de modernização.
Um exemplo dessa atitude estúpida está para acontecer no meu bairro. Estão para demolir a George Mitchell School, escola pública que foi fundada em 1903 sob o nome de Farmer Road School (Farmer Road é literalmente a rua vizinha à minha).
A justificativa é que o prédio seria antigo demais, feio, e estaria com as estruturas deterioradas. E, com isso, está prestes a desaparecer a única escola ainda em atividade da Inglaterra que tem entre seus ex-alunos dois merecedores da Victoria Cross, a mais alta condecoração militar concedida pela Família Real Britânica em reconhecimento à bravura frente a exércitos inimigos.
31 de maio de 1916, Primeira Guerra Mundial. O navio Chester fazia a patrulha da costa durante o que entraria para a História como a Batalha de Jutland. Vendo uma fumaça suspeita, o comandante decidiu averiguar. De repente, eram quatro navios da frota alemã cercando o Chester, bombardeando intensamente o seu convés e causando sérios danos à sua estrutura. Os atiradores foram sendo derrubados um a um, a maioria morrendo de hemorragia devido à perda de braços ou pernas.
Em meio ao mar de sangue, carne e estilhaços, só um atirador britânico permaneceu de pé: Jack Cornwell, que deixou a antiga Farmer Road School para se juntar à Marinha escondido do pai. O "Garoto", como era chamado, tinha pedaços de aço lhe perfurando o peito, mas mesmo assim continuou empunhando a sua arma, esperando por ordens que nunca chegariam. Foi o único encontrado vivo pela equipe de resgate, e chegou a ser levado ao hospital, mas já era tarde demais. Morreu aos 16 anos de idade, e até hoje é o mais jovem dentre os que receberam a Victoria Cross.
23 de janeiro de 1944, Segunda Guerra Mundial. Nas montanhas da Itália, uma unidade avançada do batalhão The London Scottish foi surpreendida por um intenso ataque da artilharia alemã. Foi então que o soldado Mitchell, 32 anos, resolveu subir a colina sozinho. Chegando ao lugar onde estavam os atiradores, lutou e conseguiu matar todos eles. Pouco depois, novo confronto e nova investida solitária do soldado Mitchell. Dessa vez, ao invés de atirar em todos, resolveu ter misericórdia e fazer alguns prisioneiros. Péssima escolha: Um deles tinha uma arma escondida, e atirou no soldado britânico pelas costas. Quando a guerra acabou, a antiga Farmer Road School foi rebatizada com o nome de um dos mais seus bravos e habilidosos ex-alunos: George Mitchell.
Uma escola comum, aparentemente velha e desgastada, num bairro periférico de Londres. E, no entanto, quantas histórias, quantas memórias e quantos heróis, famosos ou não, devem ter passado por aquelas paredes...
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5 comentários:
Lindo texto, Binha. Estou feliz que voltou a escrever. Lembre sempre de exercitar o seu talento e vocação. Beijos.
Uau! Cara, como são as coisas, né? Coisas mesmo.objetos, lugares..o quanto de estória linda eles podem conter que nunca terá ouvintes, ou quem as aprecie. Ainda bem q temos escritores como vc, amiga, para poder ao menos ter uma vaga idéia do que estamos perdendo. Lindas estórias ocultadas pelo descaso, ou simples ignorância mesmo. Valeu por dividir seu conhecimento. É mto precioso. E é uma pena perder a escola... u.ú'
Poxa.... que texto bala, Lilica!
Amei!
é uma pena que eles não valorizem a sua história ....
Eu fico aqui só imagindnao todos os detalhes que você escreve tão perfeitamente nestes posts! Amo!
Ah.... vou ver os dvds essa semana e deixo lá em sua casa assim que eu passar pelo lado de lá!
Beijos mil
Fica com Deus
Então... que legal passear pela história assim, não é? Pena que as pessoas tentem a não valorizar o passado. Mas pelo menos enquanto existir a memória... ele vai estar lá vivo.
Lívia também é história...
Saudades e bjs.
Espero que, no final das contas, consigam manter a escola. É uma pena perder um lugar com tantas histórias.
É claro que não se pode colocar em risco os alunos. Mas poxa, com tanta tecnologia que existe hoje, não existe nada que se possa fazer para restaurar as estruturas do prédio? Isso é muito triste...
Seus textos continuam lindos ^_^
*Jinja respondeu em 3 textos diferentes hoje* xD
=**
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