segunda-feira, 9 de novembro de 2009

O leão asiático


Para finalizar a série sobre a Ásia, um pouco sobre Cingapura. Para quem ainda não relacionou o nome ao lugar, devo confessar que eu também tive que procurar no mapa. Trata-se de uma ilhota localizada no fim da península da Malásia, a apenas 1 grau ao norte da linha do Equador. Ou seja: É quente. Muito quente. E úmido. MUITO úmido.

Pra quem acredita naquela baboseira de que não se pode ter desenvolvimento social e econômico em lugares de clima quente, taí o exemplo de Cingapura para desmentir. A cidade-estado, apesar de minúscula e sem muitos recursos naturais, soube se beneficiar do seu imenso e movimentadíssimo porto para se tornar um exemplo de organização e desenvolvimento.

Seu antigo cais, que um dia já foi um lugar amontoado de depósitos sujos, se tornou uma avenida cheia de restaurantes e bares badalados. O antigo centro histórico foi impecavelmente restaurado. Sua população altamente multi-cultural, com destaque para a presença dos malaios, chineses e indianos, consegue viver em relativa harmonia. Para coroar tudo, em 2006 foi construído o Singapore Flyer, uma imensa roda-gigante com vista para toda a cidade. "É maior que a de Londres", eles dizem, orgulhosos.

Desemprego, falta de moradia, violência urbana, sujeira nas ruas, nada disso existe em Cingapura. Obviamente, tudo isso tem um preço. Cingapura é uma ditadura, ainda que não das mais cruéis. O governo é o grande provedor, mas isso significa que as liberdades individuais são reduzidas. Coisas simples como jogar chiclete no chão geram uma multa de centenas de dólares, e todos, sem exceção, devem obedecer ao "sistema". Não é à toa que Cingapura é um exemplo do que chamam de "estado-babá".

A cidade-estado, que tem o leão como seu símbolo, conquistou a independência política e econômica depois de séculos de dominação malaia, indonésia e, por último, do falecido Império Britânico. "Está tudo muito bem, mas pra onde ir agora?", eles se perguntam. Bem, mesmo se eles continuarem onde estão, ainda assim estarão na frente de muitos outros. E não é qualquer um que pode se dar a esse luxo.

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Milhões de turistas não podem estar errados


Quando eu tinha uns 13 anos, Bali estava na moda. Cigarros de Bali, tecidos de Bali, músicas falando de Bali. A ilhota indonésia ocupava o imaginário dos adolescentes que, como eu, frequentavam bastante a praia. Era como se Bali fosse o "verdadeiro" paraíso natural, um lugar exótico e quase místico, distante de tudo e de todos.

E eis que, cerca de 15 anos depois (meu Deus, como estou velha :p), vejo do avião a costa balinesa se aproximando, com seu extenso quebra-mar que a protege das ondas selvagens. A primeira coisa que me vem à cabeça é que, em Salvador, o mar é mais verde e o céu, de um azul mais escuro. E a segunda: Tudo bem. Mar e céu de um azul cristalino também fazem o meu tipo.

Obviamente, Bali é um dos destinos turísticos mais conhecidos do mundo. Por isso mesmo, é muito mais rica, limpa e organizada do que Yogyakarta. E eles estão em toda parte, e não são só holandeses: australianos, alemães, canadenses, ingleses, dentre outros, todos tentando tostar a pele e parecer à vontade nesse pedacinho de paraíso tropical.

Então vamos em rumo à cidade que é considerada a "verdadeira" Bali: Ubud, que fica no centro da ilha, no meio das montanhas. A cidade, que é uma gracinha, também é bastante turística, apenas é focada mais na parte religiosa e cultural — Os balineses, apesar de fazerem parte de um país muçulmano, ainda preservam a sua religião hindu.

Atrações em Ubud não faltam. A principal delas é a Floresta dos Macacos, um santuário ecológico onde vive uma espécie típica do sudeste asiático, chamada em português de Macaco-caranguejeiro. A floresta é relativamente pequena, mas apresenta templos e um cemitério hindu muito interessante. E bem, os macacos, bem-acostumados com os turistas, são um espetáculo à parte.

Mais para o centro da cidade, visitamos um belíssimo jardim de flores de lótus, seguindo depois em direção à extensa plantação de arroz que fica mais ao norte da cidade. Caminhada cansativa, mas que valeu a pena: a delicada engenharia de camadas desenhadas nas colinas, o múrmurio do vento por entre o verde-vivo da plantação, os pequenos templos envoltos em vastidão e camponeses com expressões cansadas, porém tranquilas. E então, eu pensei: Essa sim deve ser a verdadeira Bali.

E voltamos ao hotel, na praia de Sanur, acordando no dia seguinte de madrugada para reverenciar o nascer do sol. E depois o mergulho no mar, nas águas rasas, mornas e cristalinas do Oceano Indico. "Bali é super-lotada. É difícil achar um lugar nessa ilha que não tenha turistas", alguém me falou. Mas, confessa, vai. Não é tão ruim assim ;P

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Mais perto dos Deuses


A idéia é genialmente simples. Você começa no solo, no nível mais básico dos desejos e prazeres mundanos, mas ao longo da caminhada descobre a necessidade de refinamento espiritual, e segue um caminho em espiral em direção ao topo, conhecendo e se reconhecendo nas narrativas de pessoas com as mesmas experiências que você. E então, quando chega no topo, já está pronto(a) para se dissolver no mundo sem formas da imensidão do céu azul. E então, dizem eles, você atinge o Nirvana.

Esse é o caminho natural da vida segundo os antigos budistas javaneses. E Borobudur, o fantástico templo construído no século VIII d.C, é uma transcrição arquitetônica rigorosa desses preceitos. Situado num vale rodeado de (adivinhe!) vulcões, a cerca de 1 hora de Yogyakarta, é reconhecido como um patrimônio cultural da humanidade, além de ser o maior monumento do Hemisfério Sul.

Mas, no século VIII, as coisas eram um tantinho complicadas. Não eram só os budistas que clamavam o domínio da ilha; os hindus também estavam doidos para demarcarem terreno, e foi aí que Prambanan, outro patrimônio cultural da humanidade, foi erguido. Também a cerca de uma hora de Yogyakarta (mas em direção oposta a Borobudur), dessa vez em um considerável terreno plano, que acabou dando lugar também a outros templos menores e alguns, vejam só, são budistas.

Mas voltando a Prambanam: ao invés de um único grande templo, os hindus construíram um complexo intrincado, cujos três principais templos são dedicados às três maiores divindades da religião: Brahma (aquele que cria), Vishnu (aquele que mantém) e Shiva (aquele que destrói). Cada templo recebeu inscrições e estátuas relacionadas aos mitos de cada deus, incluindo grande estátuas dos animais utilizados por eles para transporte. Assim, Brahma possuía o cisne Hamsa, Shiva utilizava a grande águia chamada Garuda e Vishnu, o boi Nandi, o único cuja estátua sobreviveu.

Assim como Borobudur, trata-se de um conjunto arquitetônico incrível, ainda que uma parte tenha sido destruída por um terremoto em 2006.

De qualquer forma, o que ficou registrado foi o incrível legado dos dois grandes reinos, que um dia utilizaram todos os recursos que tinham para consolidar sua posição sobre o solo instável de uma ilhota ensolarada chamada Java.

E assim seguimos para Bali...

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Aprendendo javanês


Dá pra vê-los do avião. Gigantescos, cercados por brumas, com o topo aberto num círculo escarpado, do qual línguas de fogo podem sair e lamber as cidades a qualquer momento. Um, dois, três vulcões, você vai contando, enquanto se prepara para pisar nesse solo que regurgita, e a qualquer momento pode se abrir sob os seus pés. Terrinha instável, essa ilha de Java.

E a terra realmente tremeu, mas foi só um pouquinho. "Não se preocupe", disse a simpática moça do hotel, "É porque teve um terremoto na semana passada. É normal". Jovem, alegre e sorridente, com o seu véu islâmico. Lá fora, uma voz masculina metálica repete cânticos cifrados. "É Ramadã", ela explica. Então, pelo menos cinco vezes ao dia, a voz sai dos alto falantes, dizendo aos fiéis que Alá espera pelas suas preces. Terrinha estranha, essa ilha de Java. Muçulmanos, sim, mas sem a sisudez dos países do Oriente Médio.

Yogyakarta fica quase no centro da ilha. Não é, nem de longe, uma metrópole gigantesca como a capital Jakarta, mas ainda assim aparenta ser super-populosa. Boa parte das ruas são sujas, mal-iluminadas, poluídas e empoeiradas, com sua míriade de motocicletas a fazerem uma sinfonia infernal. Sob a postura humilde e sorridente dos nativos, o indisfarçável desespero pelos dólares no bolso do turista. É que dinheiro e conforto são materiais escassos, muito escassos, por essas bandas.

A maioria dos turistas vêm da Holanda, o antigo colonizador. Vêm porque sabem da importância política e cultural de Yogya (ou Jogja, como eles chamam). A cidade se originou numa cidadela fortificada, chamada Kraton, cujo palácio original é usado até hoje como uma das principais residências do Sultão. Dentro dos limites da muralha branca, os súditos fazem o possível para ganhar o pão: há um famoso mercado de aves, várias fábricas de tecidos tradicionais (chamados de batik) e também fábricas de marionetes, talvez a manifestação cultural mais expressiva da ilha de Java. Um pouco ao norte do Kraton, há o museu Sonobudoyo, uma celebração das heranças hindu e budista da ilha.

"É incrível como eles conseguiram preservar todas essas esculturas", diz N. Sim, é incrível, pois o islamismo proíbe o culto a ídolos e, outros países, fez questão de apagar os traços de outras religiões. Mas os indonésios, com seu sorriso largo, seu jeito prestativo, parecem estar de bem com o seu passado, assim como não demonstram ressentimento pela sua pobreza. Talvez porque, quando se tem que conviver com vulcões e terremotos o tempo todo, o resto vira fichinha...

quarta-feira, 27 de maio de 2009

Old York, old York


A Inglaterra é um país antigo. E York é uma cidade mais antiga ainda. Foi fundada pelos romanos, em 71 DC. Depois passou pelas mãos dos Vikings, Anglo-Saxões e dos Normandos. Depois que tudo isso junto virou o que hoje chamamos de Inglaterra, York se tornou uma das fortalezas medievais mais poderosas e impenetráveis do país. A Casa de York era tão forte, mas tão forte, que entrou em guerra para tomar o poder e governar tudo. Esse episódio entrou para a história inglesa sob o nome de Guerra das Rosas (1453-1487).

Então York é isso: muros medievais, brasões, torres de pedra, ruas com nomes arcaicos e suas casas de tijolos vermelhos. E, claro, York Minster, a belíssima catedral gótica que pode ser vista de onde quer que se vá na cidade. A impressão que se tem, olhando para esse cenário, é de estar na Inglaterra do Rei Arthur, e que a qualquer momento irão aparecer soldados de armadura partindo para as Cruzadas.

No entanto, nada poderia estar mais longe da York atual do que clima de guerra. O que se tem no centro da cidade são uma infinidade de casas de chá e lojinhas charmosas, jardins, cafés, pubs tradicionais, áreas verdes... É uma cidade calma e ao mesmo tempo vibrante, e passeando despreocupadamente por aquelas ruas milenares e aconchegantes, é impossível não pensar na ironia do destino: A velha York é basicamente o oposto de Nova York, a cidade que foi batizada em sua homenagem no outro lado do Atlântico.

PS- Para ver todas as fotos de York, clique aqui.

quarta-feira, 15 de abril de 2009

A vida sobre trilhos


Outro dia me perguntaram o que eu mais gosto na Inglaterra. Na hora eu não soube bem o que responder, mas depois de ficar matutando por um tempo, cheguei à essa conclusão: eu gosto mesmo é da vida sobre trilhos.

A Inglaterra foi o primeiro país a ter trens, e Londres foi a primeira cidade a ter um sistema de metrô. As ferrovias estão por toda parte, e se ramificam pelo país e pela cidade como se fossem veias pulsantes. É impressionante o quanto a nossa vida aqui gira em torno de trens. Quando alguém pergunta onde você mora, a resposta não vem em forma de bairros ou ruas, mas sim de linhas e estações. Quando se quer ir a algum lugar, em 90% dos casos a principal preocupação é se há trens para lá e se eles estão operando adequadamente. E se o trem atrasar cinco minutos? Horror, horror.

E quer saber? É assim que tem que ser. Carro e ônibus devem ser apenas luxos ou opções adicionais, porque poluem e são muito estressantes. E, cá entre nós, viajar de trem é uma delícia. Não somente porque é rápido e prático, mas porque viagem de trem é relaxante. No trem, o tempo passa rápido e ao mesmo tempo devagar. Uma mistura de cadência e estabilidade que nos possibilita tirar o atraso da vida. Ler um jornal, ouvir música, estudar, dormir, conversar, pensar na morte da bezerra. Olhar a paisagem, se o trem estiver na superfície, ou esquecer do mundo lá fora, se for um trem subterrâneo. Mesmo quando está lotado, ainda acho melhor do que ônibus e engarrafamento.

Enfim. Vida longa à terra da Rainha, e vida longuíssima aos trens, pois eles merecem :)

PS- Na foto: a tradicionalíssima estação de King's Cross, no norte de Londres, em um raro dia de sol...

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

God save the Reading Week


Dentre tantas importantes invenções inglesas, essa (nem sei mesmo se foi inventada pelos ingleses, mas tudo bem) é uma das que considero mais geniais. Explicando: No meio de cada trimestre da universidade, há uma semana sem aulas que é chamada de Reading Week, a semana da leitura. A idéia é dar um tempo para que os alunos possam ler e processar o conhecimento adquirido até o momento, e para que os professores possa colocar suas atividades pendentes em dia. Assim, todos voltam às aulas com baterias recarregadas e preparados para as provas e trabalhos de final de trimestre.

Eu estava mesmo precisando de uma Reading Week. Entre os estudos e a recuperação das horas de sono, fico pensando o quão fantástico seria ter uma Reading Week em outras áreas da vida. Como seria bom de vez em quando dar uma desacelerada nas coisas pra poder organizar as pendências, sejam elas de trabalho, de estudos ou até mesmo sentimentais. "E as férias?", vocês podem me perguntar. Bem, férias é outra coisa. Férias é pra esquecer de tudo e só se divertir, coisa que não dá pra fazer quando se tem um monte de coisas que não deu tempo de organizar e pensar.

Então é isso. Reading Week já para todos nós, estudantes de universidades inglesas ou não. ;)

xxxxx

Lembram da vista da minha janela? Aí está, todinha coberta de neve. A foto foi tirada naquele dia da pior nevasca da Inglaterra em 18 anos. Eu até pensei em fazer uma postagem sobre isso no blog, mas a verdade é que preferir sair pra brincar... :p

xxxxx

Eu ia colocar uma foto da biblioteca da minha universidade, um belíssimo e imponente prédio gótico no centro de Londres. Mas a foto que eu tirei não ficou legal, então estou devendo um ensaio fotográfico decente sobre ela, que agora na Reading Week virou meu segundo lar.

Beijos a todos.

sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

A terceira margem do rio


Uma das sedes da minha faculdade fica numa avenida chamada The Strand. Literalmente, "A Margem". O caminho que liga a City, a Londres original, à cidade de Westminster, onde fica o Palácio de Buckingham, o Big Ben, o Parlamento e tantos outros cartões postais. O poder que deságua no dinheiro, seguindo os fluxos do rio Tâmisa...

A Margem já não é a mesma dos tempos antigos. Os Vitorianos, na busca por mais espaço, aterraram uma parte da área, que hoje se chama Embankment. Nos tempos áureos, a avenida teve a fama de ser "A mais bonita da Europa", com mansões suntuosas onde viviam os bispos e nobres, gastando fortunas e exercendo o poder aristocrático sobre a plebe. Isso do século XIII ao século XIX. No começo dos anos 1890, virou um point do teatro e dos espetáculos musicais. Hoje, dizem os tradicionalistas, está tudo decadente, sem os grandes palácios e o glamour. A Margem acabou, virou domínio popular.

E, ainda assim, quanta beleza. Quantos prédios históricos bonitos, quantas lojinhas charmosas, quantos pubs tradicionais e quantas igrejinhas interessantes. Aí eu fico pensando: Se é pra ser decadente, que seja assim, em grande estilo...

sábado, 24 de janeiro de 2009

Vida dura...


Blog em breve hiato devido ao período de adaptação com o começo da universidade. No meio da correria, um daqueles pensamentos nada a ver, mas que tem tudo a ver: Como deve ser difícil ser uma árvore neste país...

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Walking in the Winter Wonderland


Hoje de manhã saí de casa e estava nevando. Alguns céticos poderiam dizer: "Bem, é inverno, o que você deveria esperar?". Mas a verdade é que, assim como o sol, a neve é um artigo raro no clima londrino. Como Bill Bryson escreveu no já citado "Notes from a Small Island", a previsão meteorológica no Reino Unido é sempre a mesma, o ano todo: Clima seco e nublado, mas com possibilidade de sol e pancadas de chuva à tarde. Neve? Sim, claro. No norte do país e na Escócia. Mas em Londres, com toda essa gente e com toda essa poluição? Nah.

Mas eis que hoje a cidade amanhece mais agasalhada e encapotada que o normal. Tremendo de frio, uma mulher me confidencia no trabalho: "É o inverno mais gelado dos últimos tempos". E o corpo, com sua sabedoria ancestral, não nos deixa esquecer disso - Nas orelhas que ardem quando se caminha na rua, nas mãos que se fecham dentro dos bolsos, geladas apesar das luvas, na dormência que percorre o corpo todo, pedindo uma cama quentinha e camadas de edredom. No estômago que ronca de fome, como se o corpo dissesse: "Estou com frio, preciso de mais camadas de gordura". E você se sente mal e pra baixo, sem energia pra nada e sem vontade de sair de casa - É o winter blues que te pegou.

Meus amigos de zonas temperadas que me perdoem, mas esse negócio de inverno é uma viagem...

Na foto: Não sei se dá pra ver direito, mas é um dos campos de treino do Leyton Orient Football Club, todo branquinho de neve.